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Ameaça à educação pública

Se aprovado no Congresso Nacional, o Novo Plano Nacional de Educação, constituirá um grave ataque ao ensino público. O Fórum Estadual em Defesa da Educação Pública (FEDEP), reunido na Uerj, no último sábado, divulgou um documento com argumentos críticos. Leia na íntegra.

“As entidades e participantes do Seminário do Fórum Estadual em Defesa da Escola Pública (FEDEP), realizado no último dia 30 de abril, na Uerj, vêm a público manifestar sua disposição de defender os seus princípios, aprovados no dia 23 de fevereiro em ampla plenária constituída por mais de 30 entidades e centenas de participantes. É a partir desses princípios que promovemos a discussão do PL 8035/10 e concluímos que o mesmo, por incorporar os piores aspectos do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e aprofundá-los significa um gravíssimo ataque à educação pública: impede a construção do Sistema Nacional de Educação capaz de garantir o ensino público, gratuito, universal, laico, unitário e de qualidade social, como dever do Estado e direito universal. Ao contrário, dilui o dever do Estado na garantia do direito à educação pública por meio da institucionalização e generalização das parcerias público‐privadas (PPP’s); faz concessões à agenda do Acordo Geral de Comércio de Serviços da Organização Mundial do Comércio (AGCS/OMC) ao promover a internacionalização do “serviço” educacional e desconsidera o protagonismo histórico dos educadores sobre a educação.

O  PL  8035/10  ignora  a  situação  atual  da  educação  brasileira  ao  se  furtar  de realizar uma avaliação rigorosa dos indicadores educacionais, dos pífios avanços do PNE de 2001 e dos anseios de educadores, expressos nos Cogressos Nacionais de  Educação e  sistematizados  no  PNE: Proposta da Sociedade Brasileira. O referido PL oculta o fato de que está em curso um pernicioso processo de subordinação da educação aos fundos de investimentos, abrangendo desde a produção do material didático‐pedagógico até aquisições, fusões e joint ventures de empresas educacionais, deslocando de modo radical a educação para o setor mercantil com o predomínio da esfera financeira. Silenciosamente, mantém como interlocutor privilegiado da educação brasileira o lobby empresarial das principais corporações que compõem o bloco de poder, o “Movimento Compromisso Todos pela Educação” e os sindicatos patronais organizados no chamado Sistema S (SENAI, SENAC, SENAR, SESC etc.).

Por seus objetivos incompatíveis com a construção de uma educação pública, universal e unitária, o método de construção do PL teria que ser antidemocrático e é forçoso reconhecer que o MEC foi diligente nas práticas autocráticas, ignorando, por completo os debates dos educadores em distintos âmbitos

Em virtude dessas características, o texto do PL 8035/10 não pode ser lido como se os artigos e metas fossem unidades isoladas. Existe uma lógica geral na proposta de texto legal que operacionaliza o Estado gerencial e, para isso, redimensiona, para maior, a centralidade das formas de regualção da educação por meio da avaliação. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) torna‐se a referência central de todas as políticas para a educação básica, submetendo‐as à regulação internacional promovida pela OCDE, Banco Mundial e UNESCO. Este índice é indissociável dos rankings, dos prêmios e dos castigos. O dever do Estado com a educação universal, pública e unitária torna‐se difuso, apagando o preceito constitucional que estabelece tal dever. A opção de não aumentar o montante de recursos para a educação pública em 10% do PIB e a postergação de 7% do PIB para o longínquo ano de 2020 são coerentes com esta concepção de Estado, e sobretudo com supremacia do setor financeiro no atual bloco do poder.

O exame das estratégias de ampliação das matrículas em todos os níveis, em especial do ensino médio, profissional e superior (graduação e pós-graduação) confirma a opção pelo financiamento público às instituições privadas, através das parcerias público‐privadas inscritas no FIES e, centralmente, por meio de isenções tributárias. Entre os principais beneficiários de tais parcerias, cabe destacar o sistema sindical patronal (Sistema S) e as grandes empresas do setor.

Os trabalhadores da educação são ressignificados no PL como profissionais desprovidos de autonomia, subordinados às tecnologias da informação e comunicação (TIC’s) e aos instrumentos de avaliação, concepção que impossibilita a função social dos docentes como intelectuais produtores e organizadores da cultura científica, tecnológica, histórico-social, artística e cultural. Em função dessa desqualificação dos professores de educação a distância (EAD), o mencionado PL aprofunda a opção pela formação instrumental por meio da educação a distância (EAD), impossibilitando a formação universitária defendida pelos educadores e suas entidades representativas. Não causa surpresa, por conseguinte, a ausência de metas objetivas para a elevação real da remuneração e para a estruturação de planos nacionais de carreira que alterem em profundidade a situação de hiperexploração dos trabalhadores da educação.

Em conformidade com o AGCS/OMC, o PL concebe a EAD como modalidade axial da educação brasileira, abrangendo, sobretudo, a formação profissional, a graduação e a pós‐graduação e, no mesmo diapasão, incentiva a internacionalização reclamada pelas corporações mundiais da educação. A EAD avança, de fato, até mesmo para a pós‐graduação stricto sensu, notadamente no setor privado, incentivado pelas verbas do FIES e pela proliferação de mestrados e quiçá doutorados profissionais (como previsto no PL 7200/06 que dispõe sobre a regulação da educação superior), possibilitando mestrados sem dissertações e doutorados sem teses.

Em suma, o PL é uma ferramenta para ampliar o escopo da privatização e da mercantilização da educação brasileira, aprofundando a precarização geral do trabalho no prol do público, como a educação do campo, dos povos originários, quilombolas, etc., inviabilizando qualquer tentativa de assegurar o caráter público das instituições estatais.

Os participantes do Seminário do FEDEP, vindos de diversas partes do país, consideram que o futuro da educação pública encontra-se em estado de emergência. A vigorosa mobilização social das entidades que historicamente construíram os Congressos Nacionais de Educação pode ser decisiva para a alteração desse tenebroso cenário. Por isso, conclamam as entidades nacionais que estão retomando o Fórum Nacional em Defesa da Educação Pública (FNDEP) a convocar uma Plenária Nacional ampliada, aberta a todos os protagonistas da causa da educação pública – visando discutir e debater os termos impostos pelo PL 8035/10 –, em afirmar sua adesão a realização de um plebiscito nacional em defesa dos 10% do PIB exclusivamente voltado para a educação pública.”

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