Notícias

Entrevista: onda de violência na cidade

Professora da UFF (Universidade Federal Fluminense), a antropóloga Adriana Facina considera precipitado afirmar que a violência que tomou conta da cidade nos últimos dias é uma reação à instalação das UPPs. “O mesmo Estado que na TV afirma que não vai recuar frente “aos marginais” fez acordos com as lideranças do crime das favelas em que havia a necessidade de implementar as obras do PAC”, destaca.  Nesta entrevista, Facina lembra que o combate ao tráfico – o comércio varejista de drogas-  é caso para as forças armadas e polícia federal, que não cumprem suas tarefas. “Muitas das armas que vemos nas mãos dos bandidos vieram das forças do estado, sobretudo da PM. Enquanto essas fontes não secarem, a violência armada será um problema na cidade”, analisa Facina.

Como analisa a situação que o Rio de Janeiro vive hoje? Estamos em uma guerra civil? Qual o futuro da nossa cidade, a seu ver?

Definitivamente, não estamos em guerra. A idéia de guerra é um produto midiático, uma mercadoria a ser vendida por jornais e pela indústria cultural. O que existe hoje no Rio é uma crise nas acomodações e acordos que são parte da história da criminalidade na cidade. O mesmo Estado que na TV afirma que não vai recuar frente “aos marginais” fez acordos com as lideranças do crime das favelas em que havia a necessidade de implementar as obras do PAC. É precipitado dizer que se trata de uma reação às UPPs. É preciso investigar os motivos reais de tal crise e combater a raiz do problema. A suposta guerra que vemos hoje não dará resultados duradouros, assim como a operação no Complexo do Alemão em 2007, de proporções gigantescas, e que resultou numa chacina, também não mudou em nada a vida da população e nem a dinâmica do comércio armado de drogas naquele local. É só uma satisfação imediatista, eleitoreira e que está longe de atingir quem verdadeiramente lucra com o comércio de drogas e armas no estado. Essa política de segurança pública gerou uma violência muito maior do que os próprios ataques em si, o que é algo para refletirmos. É inaceitável que pessoas inocentes percam suas vidas, como a menina de 14 anos que morreu na Vila Cruzeiro. As autoridades deveriam estar pedindo desculpas por isso e não alardeando triunfantes uma vitória que sabemos que é ficcional. Este é um preço que a sociedade não precisaria pagar. Se a verdadeira estrutura que alimenta a violência armada fosse sufocada, isso poderia ser feito sem o disparo de um tiro.

O secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, diz que a estratégia é retomar territórios dominados pelo tráfico. A julgar pelo número de favelas (1020, de acordo com dados recentes do Instituto Pereira Passos) contra o número de UPPs instaladas (apenas 13), acredita que a política de segurança do estado possa chegar a algum lugar?

Esta idéia de território dominado pelo tráfico acaba por justificar que se trate com descaso a vida das pessoas que habitam as favelas, sobretudo da Zona Norte e periferias. Jamais a polícia utilizaria helicópteros blindados atirando do alto indiscriminadamente para caçar bandidos em locais habitados pela classe média ou elites. Impedir a permanência de grupos ostensivamente armados é fundamental para garantir a cidadania dos moradores de favelas, mas substituí-los pela ocupação policial, ainda mais por uma insituição policial marcada pela corrupção e que tem braços milicianos, não é solução. Ainda mais quando tais ocupações não são acompanhadas de direitos básicos como saúde, educação, saneamento, moradia digna, emprego, etc. Acabar com o chamado tráfico, que na verdade é o comércio varejista de drogas, é caso para as forças armadas e polícia federal, que não cumprem suas tarefas. E  agora vemos seus comandantes bravateando na imprensa, dizendo que darão todo o apoio às ocupações de favelas no Rio. Eles deveriam estar nas fronteiras, nos portos, na Baía de Guanabara impedindo a chegada dos armamentos. Muitas das armas que hoje vemos nas mãos dos bandidos vieram das forças do estado, sobretudo da PM. Enquanto essas fontes não secarem, a violência armada será um problema na cidade. Outro debate importante e que os governos se recusam a fazer seriamente é o da descriminalização das drogas, bem como a do papel da instituições financeiras na lavagem do dinheiro das drogas e armas, negócios bilionários e internacionais que não podem existir sem o abrigo de sua face legal que é o mercado financeiro.

Como avalia a invasão da Vila Cruzeiro e a fuga em massa de traficantes? O que isso significa em termos práticos para o cotidiano do tráfico, da comunidade e para os moradores do Rio, em geral?  A operação atingiu algum objetivo, a seu ver?

Esse trânsito de comerciantes do varejo da droga entre favelas da mesma facção, no caso o Comando Vermelho, é comum. Quando a polícia aperta de um lado, eles vão se abrigar em outro. O diferencial no caso é que as UPPs ampliaram essa dinâmica. Paras comunidades, a presença de operações como a de ontem significa terror, medo, desesperança, revolta, pois todos sabem que são desnecessárias e “pra inglês ver”. O mesmo policial que eles veem no cotidiano indo buscar o arrego do tráfico, depois aparece como herói do combate ao crime. São gerações que crescem vendo isso, desacreditando das instituições públicas e sendo tratada, como li ontem numa carta nos jornais, como “os ovos que devem ser quebrados” para que tenhamos a “paz” dos ricos. O objetivo atingido é pontual. Pobres e pretos continuarão a morrer, os direitos básicos de cidadania continuarão a ser negados aos favelados. É preciso lembrar que em todo o complexo do Alemão, próximo alvo de uma operação espetaculosa como a de ontem, só há duas escolas. Isso alimenta a violência com muito mais eficácia do que qualquer ação do “tráfico”.

Acredita que a atitude da polícia seria outra se toda a operação não estivesse sendo exibida ao vivo? Muitas pessoas estranharam o fato de a polícia não atirar nos traficantes, do helicóptero blindado,  quando estes estavam bem visíveis, na estrada de terra, e distantes das moradias da Vila Cruzeiro?

É possível que sim, mas isso é só especulação.

A instalação da UPPs visa criar um cinturão de segurança com o objetivo de cobrir a área da cidade onde haverá maior movimentação por conta da Copa e das Olímpiadas?

Sim, claro, além de serem instaladas em áreas fortemente valorizadas pela especulação imobiliária e com mais visibilidade midiática.

Qual sua opinião a respeito das UPPs? As comunidades ganham? A cidade ganha mais segurança a partir da instalação das Unidades de Polícia Pacificadora?

O principal ganho que as UPPs trazem paras comunidades é o fim da violência letal, o que é algo muito importante e explica boa parte do apoio dos favelados. Não é pouca coisa você deixar de dormir e acordar ao som de tiros e de invasões policiais aleatórias. O abusos policiais permanecem, mas agora há com quem se queixar. Na prática, os moradores de favela distinguem três tipos de ocupação: a do tráfico, a da milícia e a da UPP. Veêm esta como melhor, mas entendem que a UPP está inserida na mesma lógica das outras duas que é o domínio armado de um território. Isto é algo para nos fazer refletir. Para a cidade, como um todo, o impacto é controverso, pois se os tiroteios no entorno das UPPs diminuem drasticamente, a população do asfalto se queixa do aumento de roubos e assaltos no seu entorno. Além disso, como estamos vendo agora, na impossibilidade de apresentar soluções mais estruturais para a redução da violência armada, as UPPs acabam empurrando o problema para regiões menos visíveis e valorizadas da cidade, “exportando” bandidos e armas para as periferias e agravando as tensões nessas regiões.

This entry was posted in Notícias, Sem categoria. Bookmark the permalink.

7 Responses to Entrevista: onda de violência na cidade

Leave a Reply to Patricia Jacques Fernandes Cancel reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *