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Entrevista: a rede municipal de ensino

O analfabetismo funcional e a evasão escolar fazem parte da realidade da rede municipal de ensino. A professora Rosilene Almeida, diretora do Sepe – da Coordenação da Capital – analisa o programa de realfabetização adotado pela secretaria municipal de Educação e afirma: “a evasão escolar é um reflexo da diminuição de investimentos públicos nas nossas escolas, creches e nos profissionais que atuam nestas unidades.” Rosilene avaliou também o resultado da pesquisa realizada no blog sobre os problemas da rede de ensino e concorda com o que foi apontado como fator crítico: os baixos salários. “Os baixos salários ajudam no processo de desqualificação da educação”, diz.

Acredita que o programa de realfabetização que vem sendo adotado pela secretaria municipal de Educação, de fato, está garantindo que o contigente de alfabetos funcionais aprenda a ler?

Pode haver melhores resultados devido ao fato do professor ter acesso a material pedagógico (apostilas vídeos e livros) e turma com menos alunos. Mas não diria que os resultados são muito positivos. Ainda não existe, na escola, uma equipe multidisciplinar e muito menos um professor de apoio para ajudar no processo, já que muitos alunos possuem problemas reais que vão além do pedagógico. Acaba o professor, sozinho, sendo o responsável pelo sucesso do projeto.

Temos outro problema que é muito grave. A falta de espaço físico para que estes projetos sejam inseridos no cotidiano escolar. Muitos estão usando auditórios, sala de leitura e outros espaços improvisados, ficando sem um ambiente próprio para o bom desenvolvimento da aprendizagem. Se der certo, a secretária foi muito eficiente. Se não der, a culpa é do professor.

O que explica este grande contigente de crianças analfabetas funcionais nas escolas da rede?

Os governos, de um modo geral, não pensam o processo de aprendizagem na sua complexidade. Sabemos que isto não é só falta de gente da Educação pra gerir a pasta, o que também é um problema, mas um reflexo da diminuição de investimentos públicos nas nossas escolas, creches e nos profissionais que atuam nestas unidades. A cada ano, se deixa de aplicar milhões em educação. No Rio de Janeiro, a construção de escolas é nula. A falta de infraestrutura, enorme carência de professores, turmas superlotadas, sem uma equipe pedagógica multidisciplinar, faz com que esta escola não consiga cumprir com o seu papel mais básico de ensinar a ler, escrever e calcular. O aumento de trabalho burocrático do professor (que tem que preencher vários relatórios) tira ainda mais o tempo de planejamento e trocas de experiências. Coloca-se a culpa do fracasso escolar no professor por que não sabe ensinar e nos alunos por que não querem aprender.

Um aluno que tem o seu primeiro ano de escolaridade aos 6, 7 anos, vai entrar matriculado no 2° ano. Provavelmente perdeu toda a etapa que é característica da Educação Infantil, que é o desenvolvimento de habilidades motoras e cognitivas, com uso do lúdico, do concreto, tão essenciais para a aquisição da leitura e escrita. Também não podemos esquecer das dificuldades de aprendizagem, que comprometem qualquer rendimento. Quando são diagnosticadas – o que é muito difícil de se conseguir uma vez que os postos de saúde não atendem esta demanda – não há suporte específico para trabalhar com estes alunos.

Acredita que o projeto Escolas do Amanhã, que promove extensão de aulas em 150 escolas em áreas de risco, pode resultar em mudanças positivas dentro das escolas e comunidade?

Não acredito e em algumas escolas se faz até piada com o nome: Escola? Só amanhã! Não há projeto educacional que dê resultado se ele não for pensado dentro desta escola. A realidade da unidade em que atuo é que um monte de oficineiro, tudo gente cheia de gás, cai de pára- quedas lá, e cada um vai dando seu jeitinho. Mas não há interligação deste projeto com o PPP – Projeto Político Pedagógico – da escola, que também não escolhe o modelo de oficina e, muito menos, o adequa à realidade da comunidade. Vem direto da Coordenadoria Regional de Educação. E é isso que acontece em outras escolas.

Não podemos esquecer que isso, também, é uma maneira de desviar o dinheiro público para o privado já que estes oficineiros ganham pela sua atividade.

Em pesquisa realizada pelo blog, levantamos que os baixos salários e as condições precárias nas escolas são os principais problemas da rede? Qual a opinião do Sepe a respeito do assunto?

O SEPE concorda com esta avaliação. Os baixos salários e as condições precárias ajudam no processo de desqualificação da educação. Também temos o problema da falta de autonomia das escolas, falta de gestão democrática (eleição direta para diretores) e um sistema de avaliação implantado que insere a política da meritrocracia que ajuda na fluidez do papel da escola. O que importa é a aprovação do aluno, diminuição da defasagem série/idade para que o governo tenha índices e estatísticas bons para ter mais investimentos (dinheiro) para o Rio de Janeiro. Mas isso não significa que este dinheiro será investido diretamente na educação. O que se percebe é o desvio dessa verba para setores privados (Oss, Fundações, Instituições e outros).

Até que ponto a falta de interesse dos pais é preponderante no rendimento dos alunos?

Precisamos definir o que é falta de interesse. O comercial do “Todos pela Educação” mostra os artistas da Globo falando da importância do acompanhamento familiar no estudo dos filhos. Falta de interesse familiar afeta em muito o rendimento, mas isso acontece em qualquer lugar. Na escola pública, em muitos casos o que temos são pais e mães que saem para trabalhar de manhã e voltam à noite, e acompanham e ensinam o dever na medida de suas possibilidades. Há os que também são analfabetos funcionais ou tem dificuldades de aprendizagem. São frutos desta mesma escola.

Mas culpabilizar a família, o professor, o aluno, também, é uma ótima saída para que o governo se ausente de sua responsabilidade neste processo. O Estado dizer que a culpa do fracasso escolar não é da falta de investimentos públicos e de uma política clara e concreta para educação e, sim de gerenciamento, é uma maneira muito fácil de “terceirizar” esta responsabilidade.

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