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Maracanã, adeus

Artigo de Eliomar Coelho publicado no jornal O Globo (dia 23/06/2011).

“A paisagem carioca de tempos em tempos sofre mudanças radicais por conta da interferência do poder público, sempre levadas a cabo em nome da modernização. Foi assim com o Morro do Castelo, em 1921, derrubado sob o pretexto de que atrapalhava a ventilação da cidade. Em nome do progresso, o prefeito Pereira Passos, em 1904, derrubou milhares de casas expulsando a população para a periferia, no que ficou conhecido como “bota-abaixo”. A justificativa na época era que o Rio deveria “civilizar-se” e se transformar na “Paris dos Trópicos”.

Nos anos 1960, moradores de várias favelas foram obrigados a migrar para a Zona Oeste, por conta da uma política urbana centrada na remoção dos pobres de áreas nobres, entregues a seguir para a especulação imobiliária. Esta mesma lógica faz com que prédios e monumentos históricos sejam substituídos por imóveis modernosos e de gosto duvidoso. Na Cinelândia, o Convento da Ajuda hoje é apenas uma foto dos livros históricos. No mesmo local, em nome da construção do Metrô, foi posto abaixo o Palácio Monroe. A memória e a preservação da cultura sempre são derrotadas por intervenções que têm como mote o argumento de que a cidade deveria “progredir”.

Estas reflexões me vêm à mente por conta da criminosa reforma a que estão submetendo o Maracanã. Além de desvirtuar o projeto original de sua construção, tombado pelo Iphan, a intervenção custará aos cofres públicos R$ 1 bilhão. Vale lembrar que para o Pan de 2007 gastaram por lá cerca de 400 milhões em obras. Pobre Maracanã: de maior estádio do mundo virou o estádio mais caro do mundo. Não se trata de uma mera reforma. O velho e bom Maracanã ao fim destas obras será outro estádio. A clássica foto aérea de um cartão-postal do Rio, exemplo de excelência da arquitetura moderna brasileira com sua cobertura em vão livre, morreu. Curioso é que em 60 anos de existência nunca aconteceu nada de grave com a cobertura e ela resistiu bravamente às chuvas e trovoadas cariocas, abrigando à sua sombra várias gerações de torcedores. Em seu lugar será erguida uma discutível cobertura de lona e vidro.

O “gigante adormecido” foi abatido a golpes de marretadas e escavadeiras. O Maracanã também vai encolher. O estádio que já recebeu até 200.000 torcedores — como na final da Copa de 50, na fatídica partida entre Brasil e Uruguai — terá sua capacidade reduzida para 78.000 lugares. Em compensação ganhará 110 confortáveis camarotes para abrigar os cartolas e convidados da Fifa.

O esporte mais popular do país está cada vez mais elitista. Futebol virou negócio. E o Maracanã é a joia da coroa. O problema é que o dinheiro para adequá-lo ao novo tempo é público e após todo o investimento ele passará a ser administrado pela iniciativa privada. Enquanto isto, a grande massa dos aficionados pelo “velho e violento esporte bretão” terá que se contentar cada vez mais em torcer pelos seus times na tela da TV.

ELIOMAR COELHO é vereador no Rio pelo PSOL.

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