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Quais são os interesses metropolitanos comuns?

Afinal: quais são os “interesses metropolitanos comuns”? Essa noção, tal como apresentada no projeto do governo que será votado hoje (18) em sessão extraordinária, continua vaga. O novo projeto, após o recebimento de 200 emendas, foi apresentado apenas ontem ao final do dia e nem publicado está. As emendas apresentadas pela bancada do PSOL com vistas a ampliar esse escopo (incluindo os temas da saúde e segurança pública, por exemplo) foram rejeitadas nos substitutivos já elaborados. Ao nosso ver, o projeto não dá conta das necessidades de um plano metropolitano e da instituição de espaços democráticos e efetivos de governança metropolitana. Os elementos apontados no PLC 10/2015 ficam aquém, inclusive, da própria legislação federal dos anos 1970 que instituíram as Regiões Metropolitanas no Brasil em pleno regime de exceção.

  • PLC 10/2015 apresentado à Alerj em setembro de 2015, em regime de urgência, e seria votado já na semana seguinte. A partir de nossa questão de ordem, o PLC saiu de pauta e iniciamos uma tentativa de debate.
  • Nossa proposta inicial era formar uma Comissão Especial voltada para a realização de debates, audiências públicas e sistematização de contribuições, mas não teve apoio.
  • A tramitação seguiu, o projeto recebeu 200 emendas e algumas audiências públicas foram promovidas no final de 2015, além de outras esporádicas ao longo de 2017 e 2018, com quase nenhuma participação da sociedade.
  • Algumas entidades profissionais (SARJ/IAB, SEAERJ, Clube de Engenharia) promoveram debates específicos sobre gestão metropolitana, mas o PLC 10/2015 não foi objeto de análise, apenas o Plano Metropolitano que estava sendo elaborado por escritório privado, sob coordenação da Câmara Metropolitana.
  • A consultoria contratada para elaborar o “plano diretor estratégico” da região metropolitana encerrou seu trabalho e o plano foi apresentado superficialmente em alguns momentos na Alerj. Mas nem as emendas, nem as várias versões do substitutivo foram tornados públicos e colocados em debate no plenário até agora.

1. Desmonte sucessivo das estruturas de planejamento

O debate sobre governança metropolitana, no Brasil, foi definitivamente instituído nos anos 1970, com a criação das principais regiões de abrangência nacional, através LCF n° 14/1973.

No Estado do Rio de Janeiro, os principais marcos da gestão da RMRJ são os Decretos-Leis Estaduais n° 13 e 14, de 15 de março de 1975, onde são criados os Conselhos Deliberativo e Consultivo da RMRJ, a Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (FUNDREM), entidade que, até 1989, teve um importante papel na elaboração de planos, projetos e produção de informação qualificada acerca da ordenação do território, demandas sociais e populacionais, monitoramento de vetores econômicos e cartografia.

2. Análise crítica do PLC 010/2015

2.1. Metodologia de elaboração

Em agosto de 2014, foi criada a Câmara Metropolitana de Integração Governamental, um fórum de prefeitos dos 21 municípios mais o Governo do Estado, voltado para a criação de uma estrutura de governança para a Região Metropolitana do RJ. A Câmara Metropolitana se encarregou de promover encontros entre essas estruturas governamentais e seminários temáticos voltados para o que, agora, no PLC 10/2015, estão elencados como “serviços de interesse metropolitano”, basicamente, saneamento, mobilidade e algumas indicações sobre gestão do território.

Estes seminários foram organizados pela Câmara Metropolitana em parceria com entidades tais como Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), Firjan, Associação das Empresas de Engenharia do Rio de Janeiro (Aeerj), Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), Fetranspor e concessionária Águas do Brasil, entre outros. Basicamente, apesar da co-participação da Casa Fluminense em determinados momentos, tais seminários significaram encontros de “especialistas” e atuais gestores dos serviços públicos para formatar a estrutura de governança e esquadrinhar as prioridades nos referidos serviços de alcance metropolitano. Não é à toa que, no tema do saneamento, o instrumento mais debatido foram as Parcerias Público-Privadas (PPPs), ou seja, as novas formas de privatização da CEDAE e dos sistemas isolados de sua rede principal. Não se teve notícia de audiências públicas e/ou debates abertos com participação de representações da sociedade civil. No ciclo de debates realizado pela Câmara Metropolitana, outros temas foram tratados, tais como saúde e segurança pública. Entretanto, pouco ou nada sobre essas e outras funções públicas (fundamentais se pensarmos seu impacto numa estrutura metropolitana) são contempladas na proposta do Governo.

2.2. Serviços e funções metropolitanas: quais são as funções de interesse comum?

Segundo o Art 2o do PLC 10/2015, são considerados serviços ou funções de interesse metropolitano:

“I – o ordenamento territorial metropolitano;

II – o saneamento básico, assim definido pela legislação federal, incluindo abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, resíduos sólidos e drenagem e manejo das águas pluviais urbanas;

III – a mobilidade urbana metropolitana: os serviços referentes à circulação e aos transportes públicos de grande capacidade, independentemente do modal, bem como das vias e outras infraestruturas de mobilidade urbana, de cargas e passageiros, que tenham caráter metropolitano.

IV – as intervenções necessárias ao enfrentamento dos efeitos adversos da mudança do clima que tenham impacto metropolitano, incluindo as medidas de mitigação e de adaptação;

V – as intervenções, obras e contratações necessárias à fruição, pela população da região metropolitana, de serviços de comunicação digital, respeitadas as competências da União sobre a matéria;

VI – Outras a critério do Conselho Deliberativo.” (PLC 10/2015, Art 2o)

Por tudo isso, o primeiro ponto a ser colocado em debate, a nosso ver, seria: quais e como as funções de interesse comum (ou interesse metropolitano) devem ser incorporadas à estrutura de governança que pretendemos? Sem um maior esclarecimento acerca de como integrar e desenvolver tais políticas públicas, num contexto de enormes desigualdades entre as estruturas municipais e a capacidade operacional do Governo do Estado, não poderemos ter uma governança que garanta alguma efetividade.

O caráter de “interesse metropolitano comum”, tal como apresentado no projeto do governo, é muito vago. Tais elementos ficam aquém, inclusive, da própria legislação federal dos anos 1970 que instituíram as Regiões Metropolitanas no Brasil em pleno regime de exceção. As emendas apresentadas pela bancada do PSOL com vistas a ampliar esse escopo foram rejeitadas na feitura dos substitutivos.

2.3. A volta dos Conselhos Deliberativo e Consultivo

O Governo do Estado fez a opção por voltar ao antigo formato de conselhos da época da ditadura militar, onde subdividem-se as funções deliberativas e institui-se um conselho consultivo, que, conforme verificamos na prática recente de inúmeros outros conselhos do gênero, serviria apenas para legitimar decisões e dificilmente teria alguma capacidade de intervenção sobre os tomadores de decisão.

Chama atenção a estrutura dos conselhos. O conselho deliberativo prevê a participação do governador do estado (presidente do conselho) e dos prefeitos dos municípios membros, incorporando um princípio de peso de votos conforme a proporcionalidade de habitantes de cada município. Sob esta conta, o Governo do Estado teria peso 30, o Prefeito da Capital teria peso 20 e os demais prefeitos teriam peso de 1 a 5, conforme o tamanho de suas populações. Desnecessário apontar a discrepância de uma diferença de poderes como essa pode levar em termos de coesão das ações e, mesmo, adesão dos municípios à estrutura proposta, em que pese o caráter compulsório da mesma.

Além do mais, o exíguo espaço para participação de representações da sociedade fica restrito ao inócuo “Conselho Consultivo”, como o nome diz, não vai decidir nada e ainda será formado por membros indicados pelo Conselho Deliberativo.

2.4. A Agência Metropolitana e suas incongruências

Pela leitura do PLC 10/2015 original, o conjunto Conselho Deliberativo/Agência configurará um órgão com superpoderes, que demandará uma nova estrutura para gerir tantas responsabilidades. Ao mesmo tempo, vemos o discurso do governo apontando para que a agência seja “enxuta” em termos de quadro de pessoal e encargos operacionais. Ou seja, não fica claro qual será o seu papel e reforça-se a desconfiança de que serão repetidos os erros históricos já cristalizados nas atuais Agetransp e Agenersa, por exemplo, marcadas pela erraticidade e fragilidade institucional.

Em vez de integrar as máquinas existentes, acabam criando uma nova máquina de duvidosa eficácia. Fica nítida a superposição de responsabilidades entre essa Agência Metropolitana e outras já existentes, tais como Agetransp (concessões de transporte), Detro (linhas de ônibus intermunicipais), Agenersa (Energia e Saneamento). O substitutivo apresenta alterações superficiais na estrutura da Agência, transformando-a em Instituto Rio Metrópole e mantendo-o como órgão de assessoria técnica ao Conselho Deliberativo.

2.5. Diretrizes e instrumentos de governança: Planejamento Estratégico x Planejamento Participativo

Enquanto o Estatuto das Metrópoles fala em “plano de desenvolvimento urbano integrado” (Art 2o), o projeto do governo lei estadual já inclui o “estratégico” no nome. Será que é só uma diferença de nome? Qual a diferença?

A noção de “Plano Estratégico” é largamente utilizada desde os anos 1990, como forma de dar mais “objetividade”, além de simplificar e flexibilizar o processo de planejamento. Nessa cultura de planejamento “estratégico”, os atores envolvidos no processo são apenas os ditos “especialistas” e os segmentos empresariais já diretamente envolvidos com a prestação dos diversos serviços públicos. Em alguns casos, é possível incorporar, também, representações da sociedade no processo de planejamento estratégico, de modo a constituir um arremedo de “participação” num processo que é essencialmente verticalizado, quantitativista e simplificante da realidade a ser planejada. O formato do plano, no caso do Estado do Rio de Janeiro, já está dado: antes mesmo da nova estrutura de governança ser aprovada por Lei e ser efetivamente instituída, já foi contratado um escritório “especializado” que vai elaborar o plano estratégico.

2.6. Fundo de Desenvolvimento da Região Metropolitana

Trata-se de um fundo voltado basicamente para custear os conselhos, a agência e os projetos por eles aprovados. Entretanto, como tantos outros fundos existentes no Estado, está proposto sem uma previsão clara de quanto será movimentado, quais os mecanismos de fiscalização e controle e, muito menos, diretrizes claras para alocação dos recursos e avaliação dos projetos que serão financiados pelo mesmo. Pelo PLC, o regulamento do fundo será proposto pelo próprio Conselho Deliberativo, ou seja, o seu próprio “gestor”.

Pela proposta do governo, verificam-se, no mínimo, duas incongruências:

1) Como diversos outros fundos já existentes no Estado do Rio, o FDRM corre o risco de se tornar mais uma caixa-preta eivada de falta de transparência, limites de recursos e dificuldade de articulação de políticas e projetos. A criação de um Fundo como esse deveria ser acompanhada de, pelo menos, uma projeção acerca dos recursos que estarão disponíveis (o que em nenhum momento é disponibilizado pelo governo) e de um mecanismo de gestão menos centralizado e bem mais transparente do que é proposto.

2)  Ao contrário de outras realidades metropolitanas brasileiras, o Fundo não teve seu escopo de utilização bem definido. Se por um lado, o projeto do governo fala em custear apenas a estrutura de governança em si (conselhos e agência metropolitana), temos diversas experiências em que o fundo serve como caixa preferencial para execução de projetos estratégicos, bem como fundo garantidor para apoio aos municípios em seus esforços de modernização e integração institucional, ou obras que, apesar de apresentarem cunho local, interessam ao conjunto da região metropolitana como um todo.

CONCLUSÕES

Simplesmente, o governo do Estado fez a opção por entregar mais um pacote pronto, provavelmente redigido nos escritórios das entidades patronais. Esta Casa de Leis acabou acatando apenas alterações pontuais, sem um debate de fôlego acerca da representatividade da estrutura de governança metropolitana e sem levar em conta os estudos comparativos que foram disponibilizados, avaliando outras realidades brasileiras. Foi uma tramitação eivada de obscuridades e falsos espaços de participação.

Agora, em dezembro de 2018, após 200 emendas num projeto de pouco mais de 20 artigos, nenhum debate mais qualificado foi feito em plenário. O PLC 10/2015 volta à ordem numa sessão extraordinária, sem que os seus sucessivos substitutivos sequer tenham sido publicados e avaliados.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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