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Porto Maravilha: as armadilhas contidas nos projetos de lei da Prefeitura

O projeto Porto Maravilha vem se notabilizando por uma nova modalidade de obscurantismo, no que tange à transparência das informações e à razoabilidade do processo de planejamento e implementação. Primeiro, o projeto “cai de pára-quedas” na Câmara Municipal, durante o recesso parlamentar, já com “tudo” definido em portfólios muito bem montados, computação gráfica de última geração e um conjunto de promessas de intervenções que nem o mais conservador morador da região teria coragem de rejeitar.

Depois, uma sucessão de rápidas e confusas oficinas, audiências públicas realizadas no BNDES, na Câmara dos Vereadores e até em algumas localidades da própria região, quando os representantes da Prefeitura e seus aliados no Legislativo conseguiram juntar centenas de pessoas, realizar horas e horas de debates e apresentações, e todo mundo saiu sem entender muita coisa do que realmente acontecerá. Esse é o obscurantismo do Século XXI: uma enxurrada de informações desconexas, que não apresentam, de fato, o que interessa à nossa população e, pior, acobertam as estratégias mais escusas e nefastas dos nossos governantes em conluio absoluto com os grandes dirigentes do mercado de capitais e imobiliário.

Os três projetos de lei enviados pelo Executivo municipal foram pouco ou nada tratados nas diversas reuniões para discussão do assunto. Quando provocados, os representantes da Prefeitura mentiram deslavadamente. Por tudo isso, não nos furtamos a apresentar o maior número de emendas possível, com vistas até a adaptar o que diziam os nossos benfeitores-com-cara-de-paisagem ao que realmente está proposto nos tais projetos de lei. Os projetos de lei enviados são o principal ato da Prefeitura para montar uma base legal que viabilize suas intervenções na região do Porto. Os projetos cumprem diversos objetivos. Veja uma síntese das propostas:

Projeto de Lei Complementar 25/2009:

– Inscreve o instrumento da Operação Urbana Consorciada no Plano Diretor de 1992 (Isso mesmo! O plano que está, nesse momento, sendo “revisto” na própria Câmara Municipal!);

– Institui a Área de Especial Interesse Urbanístico e a Operação Urbana Consorciada do Porto do Rio, que são o limite territorial onde as intervenções vão ocorrer;

– Define e já aprova o “plano” da OUC do Porto, um conjunto de ações do poder público na área, que, combinado aos demais projetos de lei, ficará, em sua maioria, a cargo da CDURP, a empresa a ser criada para gerenciar todo o projeto;

– Regulamenta a utilização dos CEPACs, o instrumento que promove o casamento definitivo da especulação imobiliária mais tradicional, com o frenesi dos mercados financeiros, algo bem parecido com os títulos “sub-prime” que levaram a economia dos Estados Unidos à bancarrota no final do ano passado;

– Explode os limites e parâmetros construtivos para a região, possibilitando a instalação de prédios de até 30 andares em alguns setores e até 50 andares em outros;

-Cria um conselho consultivo que chega a ser uma ofensa para quem realmente acredita na participação pública como esteio de uma nova política urbana, mais justa e menos segregacionista. Um conselho composto por apenas cinco membros, sendo um coordenador da CDURP, dois representantes do Município e dois representantes da sociedade civil escolhidos pelos três primeiros!

O Projeto de Lei Complementar 26/2009 cria a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio, a CDURP, que será a gerenciadora das principais intervenções e a parceira privilegiada dos principais empreendimentos a serem instalados na região do Porto. O projeto indica que a CDURP será uma companhia de economia mista, a ser gerida pelos princípios da governança corporativa e seu capital será aberto através da emissão de ações ordinárias e preferenciais.

Isso significa, na prática, que, por mais que o Poder Público Municipal tenha o controle acionário majoritário e um certo poder de indicar os membros da diretoria dessa futura empresa, sua lógica de atuação, suas necessidades de desempenho serão as mesmas das grandes empresas privadas, logo, muito distantes do interesse público.

Uma empresa criada e preparada para dar lucro jamais terá condições de dedicar-se a ações que efetivamente garantam melhorias para a população como um todo, muito menos para a população de baixa renda que é maioria na região do Porto. Afora tudo isso, o projeto repassa a essa empresa todos os direitos e prerrogativas do Poder Público no que tange a serviços essenciais tais como paisagismo, limpeza urbana, coleta de resíduos sólidos, drenagem de águas pluviais, iluminação pública e conservação de logradouros e de equipamentos urbanos e comunitários, dentre outros. Trata-se da mais pura e absoluta privatização do espaço público!!

Finalmente, o PL 260/2009 dá isenção total do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis “intervivos” (ITBI) para todos os empreendimentos que estiverem sob os auspícios da CDURP. Ou seja, como o CEPAC é um instrumento que só captura uma pequena parte da renda da terra, e essa parca verba deve ser aplicada única e exclusivamente na região da Operação, os últimos instrumentos que o Poder Público teria para se capitalizar na região e arrecadar recursos novos a serem distribuídos pelo resto da cidade seriam exatamente o IPTU e o ITBI. Mas o Prefeito nos faz o “favor” de dar isenção total de ambos para a CDURP!!

Enfim, diante de um quadro tão desalentador, e de prazos absolutamente exíguos para a análise criteriosa dos projetos e para a elaboração de emendas, conseguimos elaborar apenas 16 propostas para o PLC 25 e 5 para o PLC 26. Para o PL 260, nos caberá “apenas e tão somente” denunciá-lo por todos os meios e votar contrariamente a tal absurda proposta!

No PLC 25/2009, nossas emendas buscaram, prioritariamente:

– Retirar o caráter elitista do Projeto, que segregava as habitações de interesse social para apenas dois Setores da AEIU do Porto, próximos ao morro da Providència, e garantir que todos os empreendimentos residenciais de grande porte tenham um percentual mínimo de habitações voltadas para a classe média-baixa e baixa;

– Garantir um tamanho mínimo para tais habitações de interesse social, que garantam um mínimo de dignidade às famílias que ali vierem a residir;

– Reconhecer a presença e a memória das comunidades tradicionais, principalmente o Quilombo urbano da Pedra do Sal;

– Garantir a realização de um grande Estudo de Impacto de Vizinhança para toda a Operação Urbana Consorciada do Porto, como determina a legislação federal, e também Relatórios de Impacto de Vizinhança específicos para os principais empreendimentos e intervenções;

– Garantir a participação efetiva dos moradores na operação, através da instalação do Conselho do Porto, com representação paritária e caráter deliberativo para os principais aspectos e intervenções a serem realizadas na região.

No PLC 26/2009, que cria a CDURP, resolvemos incluir, no texto da lei, as próprias declarações do secretário municipal de Desenvolvimento, Felipe Góes, que insistiu em afirmar a condição de “empresa pública” da CDURP. Assim, apresentamos cinco emendas que procuraram:

– Qualificar a CDURP como empresa pública, vinculada à Secretaria Municipal de Urbanismo;
– Esclarecer melhor as atribuições e instrumentos da empresa, particularmente o caráter público da sua gestão e da sua atuação;

– Esclarecer melhor as possibilidades de integralização de capital e de gestão dos recursos da empresa, permitindo a entrada dos governos estadual e federal como parceiros desse importante órgão de controle da especulação imobiliária e do desenvolvimento efetivo e sustentável da região portuária do Rio de Janeiro.

O açodamento com que a Prefeitura e a sua base de vereadores tem tratado a tramitação desses projetos na Câmara Municipal causa espanto. Em poucas semanas, os projetos já receberam pareceres favoráveis e o PLC 25/2009 já foi aprovado em primeira discussão, apenas alguns dias foram disponibilizados para apresentação de emendas. Por isso, muitas mudanças que gostaríamos de propor ao projeto não puderam ser apresentadas. Não conseguimos, por exemplo, apresentar uma redução nas propostas de adensamento construtivo, que demandaria a feitura de novos mapas, anexos e planilhas – materiais que não podem ser feitos de qualquer jeito e demandariam muito mais tempo, estudos e discussões com a população.

Nos próximos posts, tentaremos avaliar os impactos reais das diversas mudanças que conseguimos identificar até agora, nos materiais publicitários da Prefeitura, e que vão atingir diretamente os moradores do Morro da Conceição (Fase 1) e de toda a região da Saúde, Gamboa e Santo Cristo (Fase 2). Também tentaremos demonstrar como o CEPAC é um instrumento que não atende às necessidades de uma cidade para todos, uma cidade justa, sustentável e confortável para todos os seus habitantes.

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