Sobre remoções

No momento em que a política de remoções volta a ser uma possível estratégia a ser adotada pela prefeitura do Rio, considero oportuna a leitura do artigo sobre o assunto escrito pelo advogado e professor Miguel Lanzelloti Baldez, assessor jurídico de movimentos populares vinculados à luta pela terra e moradia.

Não às Remoções
Miguel Lanzellotti Baldez

“Lamentável, difícil de suportar o artigo recentemente publicado no O GLOBO por Adilson Pires, líder do prefeito Eduardo Paes na Câmara de Vereadores, dele e do PT, partido em que, de cambulhada com a Pastoral de Favelas, se encarreirou politicamente. Estranha e desrespeitosa combinação ente o céu e a terra que sob os auspícios e o conchavo do prefeito, se esbate com dissimulados rancores etnicidas na cabeça do indigitado cidadão.
Concretamente trata-se de desastrado e perverso projeto cujo objetivo é simplesmente trazer de volta à prática política o obsceno fantasma das remoções, pois, como poderiam dizer as comunidades, parafraseando Glauber Rocha, se, para você, a terra não é de Deus, também não é do diabo, como lhe pareceu no artigo. O GLOBO, embora tente, não é o inferno…

À exceção do Sr. Prefeito, que não tem qualquer compromisso com a construção da democracia no Brasil, de ontem, de hoje e do amanhã, esses senhores que agora confabulam com remoções massivas, enfrentaram, ou dizem que foi assim, os horrores da ditadura e conviveram com a tortura, diretamente ou através de histórias contadas, deveriam saber ou envergonharem- se por não saber que os fundamentais princípios da ética e da religião não permitiriam trocar a vida de uns poucos pela liberdade de outros, mesmo sendo muitos.

Pois, embora a maior ou menor intensidade da dor, não há diferença moral entre torturar o corpo do homem e da mulher ou expulsá-los de sua moradia e do convívio social, muita vez consolidado em solidário passar do tempo. E como o nobre vereador deixa passar forte ligação com a Pastoral de Favelas, uma verdade mal usada em seu artigo, convém lembrar que Dom Eugênio Salles ao criar as pastorais quis aparelhar e engajar a Igreja e a fé cristã na luta do povo pela vida e pela moradia em seu habitat, cabendo lembrar como testemunho daquele momento histórico o definitivo exemplo de Bento Rubião, o advogado.

Vale lembrar, enfim, que, como resultado destas lutas e sempre com a presença da Pastoral de Favelas nas lutas que se seguiram, a gente sofrida e excluída das áreas destinadas pela especulação imobiliária à produção capitalista da cidade, obteve importante vitória no campo institucional: a proibição das remoções. Pasmem vocês todos, políticos, administradores, prefeito, juízes, delegados, promotores: as remoções hoje são uma ilegalidade! Não acreditam, ou dizem não acreditar? Pois é assim: o art. 429 da Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro, com peso constitucional, ao criar a figura do remanejamento, restrito às áreas de risco, definida em laudo pericial com a participação da comunidade e na área próxima, proíbe a fraude histórica das remoções.

Mas é bom lembrar, em homenagem ao vereador articulista, que ele não anda só na perversa empreitada de justificar remoções e dizê-las democráticas. Os moradores do Horto Florestal vêm sofrendo duro assédio da atual direção do Jardim Botânico, assédio que atende pelo nome da Liszt Vieira, o Secretário de Habitação do Rio até recentemente era o Sr. Jorge Bittar e outros muitos, cautelosa e espertamente silenciosos, todos eles companheiros de partido do Sr. Adilson Pires.

Não há como não lembrar o angustiado grito do importante sociólogo francês Pierre Bourdieu, diante de trabalhadores em greve: “quero uma esquerda de esquerda!” Aqui não se pede tanto, quer-se uma militância capaz de entender que habitar não significa apenas o meter-se numa casa, qualquer casa em qualquer lugar, mas viver e conviver, educar os filhos na comunidade e desenvolver, em suma, com vizinhos, amigos e companheiros relações de afeto e solidariedade.

Mas, mesmo que alguns senhores do poder não percebam, a gente simples e pobre, tendo conquistado consciência de si mesma, vai organizando- se em associações e conselhos comunitários e populares, isso porque já entendeu que, se não conta com as tradicionais representações, invisibilizadas em contumazes omissões, ela própria fará o enfrentamento presentando- se como coletividade. De longe, à espreita, pronta para completar o golpe, o espectro da especulação imobiliária.”

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